A Procuradoria Regional dos Direitos do
Cidadão em São Paulo, órgão do Ministério Público Federal, pediu à
Justiça Federal que determine a retirada da expressão “Deus seja
louvado” das cédulas de reais. A medida não gerará gastos aos cofres
públicos já que, em caráter liminar, a ação pede que seja concedido à
União o prazo de 120 dias para que as cédulas comecem a ser impressas
sem a frase.
Um dos principais argumentos utilizados
pela ação é o de que o Estado brasileiro é laico e, portanto, deve estar
completamente desvinculado de qualquer manifestação religiosa. Além
disso, são lembrados princípios como o da igualdade e o da não exclusão
das minorias para reforçar a tese de que a frase “Deus seja louvado”
privilegia uma religião em detrimento das outras.
No ano passado, a PRDC recebeu uma
representação questionando a permanência da frase nas cédulas de reais.
Durante a fase de inquérito, a Casa da Moeda informou à PRDC que cabe
privativamente ao Banco Central (Bacen) “não apenas a emissão
propriamente dita, como também a definição das características técnicas e
artísticas” das cédulas. Para o Bacen, o fundamento legal para a
existência da expressão “Deus seja louvado” nas cédulas é o preâmbulo da
Constituição, que afirma que ela foi promulgada “sob a proteção de
Deus”.
Nota técnica divulgada pelo Ministério
da Fazenda informou à PRDC que a inclusão da expressão religiosa nas
cédulas aconteceu em 1986, por determinação direta do então presidente
da República, José Sarney. Posteriormente, em 1994, com o Plano Real, a
frase foi mantida pelo ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso,
supostamente por ser “tradição da cédula brasileira”, apesar de ter sido
inserida há poucos anos.
O procurador regional dos direitos do
cidadão Jefferson Aparecido Dias lembrou que não existe lei autorizando a
inclusão da expressão religiosa nas cédulas brasileiras. “Não se pode
admitir que a inclusão de qualquer frase nas cédulas brasileiras se dê
por ato discricionário, seja do presidente da República, seja do
ministro da Fazenda”, afirmou. “Mesmo a Lei 4.595/64, ao atribuir ao
Conselho Monetário Nacional a competência para ‘determinar as
características gerais das cédulas e das moedas’ não o autorizou a
manifestar predileção por esta ou aquela religião”, apontou o
procurador.
Para Dias, o principal objetivo da ação é
proteger a “liberdade religiosa de todos os cidadãos”. Ele reconhece
que a maioria da população professa religiões de origem cristã
(católicos e evangélicos), mas lembra que “o Brasil optou por ser um
Estado laico” e, portanto, tem o dever de proteger todas as
manifestações religiosas, sem tomar partido de nenhuma delas.
“Imaginemos a cédula de real com as
seguintes expressões: ‘Alá seja louvado’, ‘Buda seja louvado’, ‘Salve
Oxossi’, ‘Salve Lord Ganesha’, ‘Deus Não existe’. Com certeza haveria
agitação na sociedade brasileira em razão do constrangimento sofrido
pelos cidadãos crentes em Deus”, diz um trecho da ação. Para Dias, o
fato de os cristãos serem maioria “não justifica a continuidade das
violações aos direitos fundamentais dos brasileiros não crentes em
Deus”.
Além da referência religiosa nas
cédulas, o procurador lembrou que muitas repartições públicas mantêm
crucifixos em locais de atendimento ao público. “Quando o Estado ostenta
um símbolo religioso ou adota uma expressão verbal em sua moeda,
declara sua predileção pela religião que o símbolo ou a frase
representam, o que resulta na discriminação das demais religiões
professadas no Brasil”.
A ação também pede à Justiça Federal que
estipule multa diária de R$ 1,00 caso a União não cumpra a decisão de
retirar a expressão religiosa das cédulas. A multa teria caráter
simbólico, “apenas para servir como uma espécie de contador do
desrespeito que poderá ser demonstrado pela ré, não só pela decisão
judicial, mas também pelas pessoas por ela beneficiadas”.
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