terça-feira, 5 de junho de 2012

Pará pode ter 60 mil novos casos de hanseníase


Ainda hoje, o controle da hanseníase é um desafio para o sistema de saúde. Com o Projeto "Caracterização Molecular de Cepas de M. leprae de pacientes e comunicantes de Hanseníase: correlação com aspectos clínicos, comprometimento neural e resistência medicamentosa", os profissionais do Laboratório de Dermato-Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará realizaram pesquisa de campo em oito municípios do Estado, para identificar áreas de maior concentração da doença e analisar como está sendo feito o seu controle e tratamento.

A hanseníase é uma doença infectocontagiosa causada pelo micro-organismo Mycobacterium leprae. Sua transmissão ocorre quando há contato direto com doentes sem tratamento, que eliminam os bacilos por meio do aparelho respiratório, pelas secreções nasais e gotículas da fala, pela tosse e pelo espirro. No caso dos doentes que recebem tratamento médico, não há risco de transmissão. Nem toda pessoa exposta ao bacilo desenvolve a doença, acredita-se que isso se deva a múltiplos fatores, incluindo a genética individual.

Seus principais sintomas são: sensação de formigamento, fisgadas ou dormência nas extremidades; manchas brancas ou avermelhadas, geralmente com perda da sensibilidade ao calor, ao frio, à dor e ao toque; caroços e placas em qualquer região do corpo e diminuição da força muscular. A doença pode atingir todas as faixas etárias e tem cura. O tratamento é feito com medicação via oral, gratuitamente, nas unidades de saúde.

Sob a coordenação do professor Cláudio Salgado, o Projeto correlacionou dados clínicos com dados moleculares, comparando pacientes de diferentes regiões do Estado do Pará. A equipe, formada por profissionais da UFPA e da Unidade de Referência Especializada Dr. Marcello Cândia, em Marituba, fez um levantamento dos casos de hanseníase, dos últimos cinco anos, em Breves, Marituba, Castanhal, Paragominas, Oriximina, Altamira, Parauapebas e Redenção. Entre os casos confirmados, foram escolhidos 100 pacientes. Segundo o professor, a ideia era verificar se o tratamento havia sido feito corretamente e se os pacientes estavam curados.
Erros no fluxo de informação

Nos municípios, a equipe visitou a casa dos pacientes e examinou seus contatos, pessoas que moravam com o portador da doença ou que tivessem contato diário com ele. "Cerca de 4% e 5% dos contatos tinham hanseníase, o que é um número muito alto. Quando um caso novo é encontrado, a Unidade Básica de Saúde tem o dever de chamar as pessoas que convivem com o doente para serem examinadas, e isso só ocorre em 50% dos casos. E mesmo quando ocorre, não é de forma adequada", alerta Cláudio Salgado.

Além destes casos, o grupo selecionou algumas escolas da rede pública em cada município para fazer o exame clínico em cerca de 200 crianças. O número de estudantes portadores da doença variou entre 2% e 4%. Após isso, as crianças também realizaram o exame para detectar uma imunoglobulina chamada anti-PGL1, que mostra como está a situação na comunidade, por meio do sangue coletado.

"O anticorpo fornece uma porcentagem de pessoas que entraram em contato com o bacilo. Se você fizer isso em um país europeu, o resultado é praticamente 0%. No Rio Grande do Sul, são 8%; em São Paulo, 15%. Aqui, a porcentagem é de 50%. É uma taxa absurda", avalia o professor.

Outro resultado importante foi em relação ao grau de incapacidade física causada pela doença. Atualmente, este grau é classificado em 0,1 a 2. O grau 2 caracteriza a incapacidade física. O sistema de informação do SUS indica que 5% dos casos de hanseníase correspondem ao grau 2. Entretanto, quando a equipe foi à casa dos pacientes, esse número subiu para 15%, o que aponta para um erro no fluxo de informação da Rede de Saúde Pública.
Diagnóstico ainda na infância

Cláudio Salgado afirma que, em alguns municípios, como em Altamira e Breves, o número alto de pacientes diagnosticados chamou atenção. Foram encontrados entre 50 e 70 casos novos, em uma semana, quando a estimativa era de dois ou três casos. "Percebemos que, quando se trata de um caso clássico de hanseníase, o diagnóstico é feito. A dificuldade está em fazer um diagnostico precoce, quando a pessoa só apresenta uma mancha", explica.

De acordo com o professor, o tratamento da doença deve ser feito, prioritariamente, ainda na infância. Segundo os dados coletados, a previsão de estudantes doentes na rede pública do Estado é de 60 mil pessoas, entre cinco e 18 anos. "Se você não tratar estas crianças, elas desenvolverão a hanseníase clássica daqui a 20 anos e, durante este período, irão transmitir a doença para outras pessoas, num ciclo que não termina. Além disso, aumenta a possibilidade de pacientes sequelados e com a incapacidade física instalada", afirma.

Em maio, os pesquisadores iniciaram a ação com recursos do Ministério da Saúde, para detectar novos casos da doença e capacitar as equipes municipais de saúde para o diagnóstico precoce. Além disso, o professor Josafá Barreto, do Campus de Castanhal da UFPA, parte, no final deste ano, para uma temporada na Universidade de Emory, nos Estados Unidos. Os pesquisadores marcaram a localização da residência dos pacientes e desenvolveram um mapa da hanseníase, por região. A pesquisa de doutorado de Josafá Barreto fará o georreferenciamento da doença em cada município, assim, os gestores municipais saberão onde devem investir para diminuir os índices da doença.
Resultados foram publicados em revistas internacionais

Um artigo sobre a pesquisa foi publicado na revista norte-americana The New England Journal of Medicine. Com dois séculos de existência, a revista publica semanalmente a foto de um caso clínico. Na segunda semana de abril, a fotografia que estampou a primeira página da publicação foi a de um paciente de 57 anos, do interior do Pará, que possuía uma forma grave da doença, caracterizada por uma insuficiente resposta imunológica. O estudo demonstrou o resultado do tratamento convencional no paciente.

Além da New England, a equipe também publicou artigos em outras revistas importantes, como a revista inglesa Leprosy Review; a Emerging Infectious Diseases, do Centro de Controle de Doenças (CDC) de Atlanta, nos Estados Unidos, e a Memórias, do Instituto Oswaldo Cruz. O professor afirma que, além de disseminar a informação médica e científica pelo mundo, as publicações agregam valor ao trabalho da equipe, ao laboratório e à Universidade.

Cláudio Salgado alerta que a repercussão dos resultados deixa à mostra a diferença entre a qualidade do serviço de saúde do Brasil e a qualidade do serviço de saúde dos países mais desenvolvidos. "Recebi um e-mail de um pesquisador da Noruega dizendo que nunca tinha visto um caso igual. Estamos falando de uma doença que existia há 120 anos, na Europa, e, em 2012, ainda existe no Brasil. Isso mostra o quanto estamos atrasados em relação à qualidade de vida da população e demonstra uma urgência: a redefinição de prioridades pelo governo. Nossa população precisa viver com dignidade", conclui.

(Ascom Ufpa)

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