Como imaginar que um município
que, condenado pela Justiça ainda em primeira instância a pagar cerca de
R$ 500 mil a uma empresa, interponha no meio do processo uma proposta
de “acordo amigável” com essa mesma empresa sugerindo o pagamento de R$
1,5 milhão, ou seja, três vezes o valor da condenação original e sem
esgotar todos os recursos judiciais possíveis?
Foi justamente isso que ocorreu no
município de Marabá. A empresa Turgás – Tucuruí Distribuidora de Gás
Ltda. ingressou com ação indenizatória por desapropriação indireta de
uma área contra o município de Marabá em 12/12/2008. A empresa afirma
que detém a propriedade plena do imóvel urbano situado na área de
expansão da nova Marabá, na quadra 12, folha 23, com área de 2.400 m2, e
anexou documentação provando a posse.
Em abril de 2001 a prefeitura de Marabá
iniciou a construção do posto saúde “Enfermeira Zezinha”. Diante da
situação, iniciou processo administrativo para solucionar o litígio. A
prefeitura chegou a oferecer à empresa um terreno localizado na folha
29, entretanto, não foi possível efetivar a transação em virtude da
posse do imóvel pertencer a terceiros.
Ao final do processo, o juiz da 3ª Vara
Cível de Marabá condenou o município ao pagamento de R$ 456.408,00 pela
desapropriação do terreno. O município então interpôs apelação no
Tribunal de Justiça do Estado, sendo que o recurso, em 11/08/2011, foi
desprovido pelo desembargador Cláudio Augusto Montalvão das Neves, que
manteve a condenação originária.
Nos autos da apelação, um escritório de
advocacia contratado pela prefeitura já havia interposto recurso ao STJ.
Todavia, no último dia 5 foi atravessada aos autos uma petição assinada
pelo advogado da empresa autora, Gilmar Caetano; pelo prefeito Maurino
Magalhães e pelo Procurador do Município, Luiz Carlos Augusto dos
Santos, informando a celebração de um acordo extrajudicial, onde a
prefeitura, para encerrar o processo, propõe o pagamento da quantia de
R$ 1.500.000,00 à empresa autora em quatro parcelas, com a última
vencendo no dia 15/09.
Consta ainda do acordo a proposta do
pagamento, a título de “honorários de sucumbência, o valor de R$
150.000,00 ao escritório de advocacia Caetano & Hoff Advogados
Associados, representada pelo sócio Gilmar Caetano, que defende a
Turgás. O valor propostos era pago em três parcelas, como o último
desembolso ocorrendo em 15/08.
ACORDO
Causa estranheza os termos do acordo,
tendo em vista que a condenação imposta à Prefeitura de Marabá não
chegou a R$ 500 mil e, com a aplicação de juros (0,5% ao mês) e correção
monetária, nas melhores das hipóteses a quantia a ser paga pela
prefeitura não ultrapassaria o valor de R$ 596.456,90, mais o
correspondente a 10% (dez por cento) de honorários sucumbenciais.
O cálculo da prefeitura é bem diferente
disso. No documento do acordo protocolado na Justiça, aos R$ 456.408,00
da condenação inicial, os calculistas da prefeitura de Marabá
acrescentaram R$ 492.110,92 de correção monetária atualizada e mais R$
2.442.565,51 de juros atualizados, além de R$ 339.108,44 de honorários
advocatícios, perfazendo um total de R$ 3.730.192,88.
O tempo levado em conta no cálculo da
prefeitura inicia em abril de 2011 quando teria iniciado a obra
irregular no terreno da empresa, até abril desse ano.
Ocorre que esse é o cálculo feito pela
Prefeitura de Marabá e não pelos calculistas da Justiça. Como o acordo
foi protocolado antes do trâmite final do processo, não há como saber o
valor exato da dívida com a empresa de gás. A pergunta a ser respondida
é: se o valor da condenação, à época do acordo, não ultrapassava 600 mil
reais, qual a razão da celebração de acordo em valor quase três vezes
maior que o originário? Há ainda outro agravante: o município de Marabá,
pela Lei, pode recorrer até última instância, tanto no processo
cognitivo como no executório, o que lhe daria cerca de cinco anos para a
emissão do precatório.
O artigo 70 da Seção VII-a da Lei
Orgânica do município de Marabá, afirma que se constitui em infração
político-administrativa do prefeito “omitir-se ou negligenciar na defesa
de recursos financeiros, bens, rendas, direitos ou interesses do
município, sujeitos à administração da prefeitura”.
A reportagem passou a manhã e parte da
tarde da última sexta-feira tentando entrar em contato com o procurador
de Marabá, Luiz Carlos dos Santos para que respondesse à indagação, mas o
telefone do seu gabinete em Marabá apenas chamava e seu celular deu
fora da área de serviço em todas as tentativas. Os documentos relativos
ao acordo foram entregues na última quinta-feira na promotoria de Defesa
da Moralidade e do Patrimônio Público.
Análise
O promotor de Justiça Nelson Medrado
ainda não havia analisado o caso até o meio da tarde da última
sexta-feira, mas antecipou que como a proposta de acordo foi apresentada
pela prefeitura de Marabá na fase de apelação, com tramitação já em
segundo grau, encaminhará a denúncia para análise do Procurador Geral de
Justiça Antônio Barleta.
Com informações do Diário do Pará
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