A desinformação arma os espíritos contrários e favoráveis à divisão do Pará. O ânimo político que toma conta dos dois lados e começa a apimentar o debate no rádio e na TV, durante o horário eleitoral, esquece o fato relevante: literalmente o Pará já está dividido e quem manda no pedaço maior do território não é o governante estadual de plantão, mas a União Federal.
Dois decretos criminosos, criados pela ditadura militar de 1964 – mas revogados em novembro de 1987, ou seja, há 24 anos – continuam a lançar seus sombrios efeitos sobre o “colosso tão belo e tão forte”, exaltado nos versos inocentes de nosso hino.Em números reais, o Pará tem o domínio de apenas 16% de sua base física fundiária. Os outros 84% estão sob tutela do governo federal, que abocanha nossos impostos com a voracidade de um tubarão insaciável e nos devolve em migalhas obras e serviços na velocidade de uma tartaruga.
O pacto federativo, hoje tão reclamado, mandou o Pará para o espaço há mais de duas décadas. Sem choro nem vela, como diria Noel Rosa. E com uma dolorosa novidade: novos decretos federais retalharam ainda mais o Estado, com a criação de unidades de conservação, florestas e parques nacionais.
Uma nova espécie de intervenção, sob o argumento da proteção ambiental.
O decreto-lei 1.164/71, autêntica facada no peito do pacto federativo, declarava “indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacionais” terras devolutas situadas na faixa de cem quilômetros de largura em cada lado do eixo de rodovias na Amazônia Legal, e dá outras providências.
No final de 1987, o então presidente José Sarney, em ato no Centur, assinou o decreto-lei 2.375, que revogou os decretos 1164/71 e 1473/76. Aquele ato, porém, não passou de uma farsa. Ela estava no artigo 1º do tal decreto. Dizia simplesmente: “deixam de ser consideradas indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacionais as atuais terras públicas devolutas situadas nas faixas, de cem quilômetros de largura”.
Ao mesmo tempo em que abria a possibilidade de devolução de 80% das terras ao governo do Pará, o decreto 2.375 colocava uma casca de banana na autonomia paraense, dizendo no artigo 5° que a União “transferirá, a título gratuito, ao respectivo Estado ou Território, terras públicas não devolutas (…) condicionada a doação, a que seu beneficiário vincule o uso daquelas áreas aos objetivos do Estatuto da Terra e legislação conexa”.
Animado com isso, em 1998 o Instituto de Terras do Pará (Iterpa) requereu a devolução de 4 milhões de hectares na serra do Cachimbo, além de áreas dos municípios de Novo Progresso e Altamira. O governo federal negou o pedido.Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de uma só tacada, mandou cancelar os registros em cartório de cinco mil áreas, a imensa maioria localizadas supostamente em terras da própria União.
O governo federal vai devolver essas terras ao Pará? Deveria. Nada indica, porém, que isso venha a ocorrer. Apesar de estarmos hoje em um hipotético Estado de Direito e não sob um regime de generais. Os decretos ditatoriais, aliás, agora são substituídos por medidas provisórias. Ou por ingerências como as da Fundação Nacional do Índio (Funai) no que sobrou de terras públicas do Estado.
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